quinta-feira, 25 de junho de 2015

Meeting de Santo António não renasce para todos

A Federação Portuguesa de Atletismo anunciou recentemente a realização da 15.ª edição do Meeting Internacional de Santo António, para ter lugar hoje, dia 25 de Junho, no Estádio Universitário de Lisboa. O torneio não se realiza desde 2002, tendo tido nos anos finais dessa fase de existência um programa de que faziam parte as provas de marcha. Nesta nova fase, o «meeting» estrutura-se com um programa dividido entre internacional e nacional. O primeiro compreende velocidade, barreiras, meio-fundo curto, saltos e lançamentos; o segundo compõe-se de atletismo adaptado e provas para jovens. Entre exclusões e inclusões, só a marcha parece ter sido deixada de fora pelo diretor da prova.

Apesar de avanços e recuos, tem tido razoável vitalidade no panorama dos «meetings» de atletismo realizados em Portugal a tendência para incluir a marcha nos respectivos programas, mesmo que contemplando provas curtas e, nalguns casos, envolvendo apenas um sexo. Mas, de qualquer forma, não excluindo a disciplina. O próprio Meeting de Santo António beneficiou desse facto em edições daquela primeira fase, ao realizar provas de marcha que registaram a presença de boa parte dos melhores especialistas nacionais, os quais eram, em vários casos, atletas de incontestável valor internacional. E de tal modo esse valor dos marchadores era elevado que chegaram a obter as melhores marcas do torneio, avaliadas de forma objectiva através das tabelas de pontuação. Lembre-se ainda que o Meeting de Santo António chegou a registar a presença de marchadores estrangeiros de elevado nível, também eles contribuindo para o enriquecimento do valor geral do torneio. Assim aconteceu em 1995, quando a prova de marcha foi ganha pela russa Larisa Ramazanova, com 12.27,74 m, sendo segunda a bielorrussa Valentina Tsybulskaya (12.27,97) e a terceira Sofia Avoila (CD Montijo, 12.53,10).

Ao excluir a marcha do programa, o diretor do torneio mostra ao que vem em matéria de marcha atlética e de visão global do atletismo. É altamente louvável que um torneio da modalidade integre uma vertente adaptada; é igualmente positivo que tenha havido disponibilidade para considerar provas ditas promocionais e para jovens num programa que se pretende internacional, mas logo surge (mais uma vez) a discriminação negativa da marcha atlética, reservando-lhe o papel de única disciplina a ficar de fora.

A atitude mostra que, para o diretor do torneio, o atletismo não é tão integrador como isso. Para alguns não há lugar, ainda que sejam atletas muito considerados no plano internacional pela valia das respectivas marcas e pela imponência das classificações alcançadas – em alguns casos também pela longevidade das carreiras ao mais alto nível. Quando a marcha dá medalhas a nível internacional, aí sim, já é o atletismo no global que contabiliza as medalhas e se refere aos feitos dos nossos melhores especialistas. Fora dessas ocasiões, valham-nos alguns autarcas e dirigentes associativos que vão lembrando os principais desempenhos internacionais dos marchadores, mostrando-os como exemplo e factor de motivação dos mais jovens. São honrosas excepções, a nível local, mas delas o blogue «O Marchador» tem dado eco, como pode confirmar-se numa breve pesquisa pelos textos publicados nas semanas mais recentes.

É também revelador que o director da prova tenha feito uma declaração sobre o programa do «meeting», transcrita no «site» da FPA nos seguintes termos: «Procurámos um conjunto de provas que respondesse aos interesses do atletismo português e que ao mesmo tempo possam proporcionar um bom espectáculo desportivo.» Podemos dar de barato que a questão do «bom espectáculo desportivo» seja do domínio da subjectividade. Mas já parece mais objectivamente grave que os ditos «interesses do atletismo português» passem pela exclusão da marcha atlética. Afinal, tanta integração para depois se estragar tudo proclamando e exercendo a exclusão!

Não é que não saibamos todos que em algumas mentes essa formulação discriminatória tem bastante energia, aliás quase sempre refreada para não dar muito nas vistas. Só que de vez em quando o gato esconde-se com o rabo de fora.

Em países com cultura desportiva mais evoluída e onde os marchadores revelam valor de excelência, os organizadores honram as grandes figuras da marcha (e com isso dignificam-se a si próprios também) incorporando a disciplina nos mais variados tipos de torneios, tenham eles expressão local, nacional ou internacional. Aproveitando o prestígio desses atletas, reforçam a promoção da marcha e, com ela, promovem o atletismo e o desporto. Ganha a marcha e ganha a motivação dos mais jovens para aderirem às práticas desportivas.

Assim, o exemplo do Meeting de Santo António não é para ser seguido. Ele representa uma oportunidade perdida, traduzindo um renascimento que não é para todos de um torneio que tem tantas condições para voltar a ter lugar próprio no calendário nacional.

A finalizar, relembre-se uma história que talvez ajude a compreender melhor a situação. Há uns anos, aí por 1997, o regulamento do circuito de «meetings» previa a atribuição de prémios com base numa classificação final apurada pelas classificações dos atletas nos diversos torneios do ano. O responsável federativo pela área dos «meetings», por sinal agora também e de novo director do Meeting de Santo António, decidiu que os marchadores não teriam direito aos prémios finais, apesar de regulamentarmente lhes serem devidos por terem registado os melhores desempenhos entre todos os participantes nos torneios que contavam para o efeito. Em consequência, tratou de atribuir esses prémios a atletas de outras disciplinas mesmo tendo classificações inferiores. Meses depois, outro director da FPA, mais sensível à verdade desportiva e com outro sentido de justiça, suscitou o problema junto da direcção da federação, defendendo que a injustiça fosse reparada. Dessa forma levou a que, alguns meses mais tarde, os marchadores recebessem de facto os prémios que tinham conquistado, fazendo repor a justiça contra uma atitude prepotente do responsável do circuito de «meetings».