terça-feira, 30 de dezembro de 2014

«Caso» Susana Feitor, acontecimento nacional de 2014

Susana Feitor. Foto: Maior tv
Foi um caso entre vários ocorridos na marcha portuguesa ao longo de 2014, podendo ficar como uma das decisões de maior gravidade tomadas pela Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), num ano inusitadamente mau no que se refere a decisões no âmbito desta disciplina. Mas o «caso» Susana Feitor assumiu um significado especialmente negativo ao atingir uma das figuras mais respeitadas e de maior prestígio na história da marcha atlética em Portugal.

Susana Feitor foi uma das quatro atletas a alcançar os mínimos A para os 20 km femininos dos europeus de Zurique. Fê-lo em Taicang, na China, durante a Taça do Mundo de Marcha, e com nada menos que a sua melhor marca na distância desde 2005: 1.28.51 h. Conjugados os vários parâmetros dos critérios de selecção, o seleccionador entendeu que seriam escolhidas Ana Cabecinha, Vera Santos e Inês Henriques para os 20 km femininos dos campeonatos da Europa, enquanto Susana Feitor iria representar Portugal nos 10 mil metros marcha femininos dos Campeonatos Ibero-americanos de São Paulo.

Havia, contudo, um dado que estava por jogar: Vera Santos encontrava-se lesionada e, não tendo recuperado a tempo, acabou por não integrar a selecção para os europeus. E quando tudo fazia supor que Susana Feitor iria ser chamada para preencher a vaga (para a qual tinha mínimos A), eis que da FPA surge a decisão de que a marchadora de Rio Maior não teria lugar na equipa nacional para Zurique. Como explicação foi dito que Susana Feitor se tinha preparado para os dez quilómetros dos ibero-americanos e que quem tivesse sido seleccionado para São Paulo já sabia que não iria a Zurique. Fazendo fé nesta «justificação», faltaria perguntar se, perante situações imponderáveis, não poderia haver decisões agilizadas de forma a eliminar ou pelo menos diminuir o prejuízo dos imprevistos.

Desta forma, sem se descortinar a lógica de não se proceder a uma substituição quando ela se impunha, Susana Feitor ficou impedida de competir na mais importante prova europeia do ano, não podendo assinar a quinta presença em europeus, uma das quais resultara em subida ao pódio. Ao mesmo tempo, a FPA assumia uma atitude que no mínimo tem de ser considerada como inadmissível desconsideração (para não dizer falta de respeito) para com uma das figuras de maior vulto do desporto português, uma das desportistas que mais têm contribuído para o prestígio de Portugal pelo mundo fora e que, nas circunstâncias, reunia todas as condições necessárias para ser incluída na selecção para os campeonatos da Europa. Atitude incompreensível que levou, de resto, a marchadora a pedir a demissão do cargo que ocupava na direcção da federação.

Pela carga simbólica resultante de ter sido aqui visada a atleta em questão, o «caso» Susana Feitor fica ainda como momento que representa um conjunto de outras decisões negativas da FPA, fazendo de 2014 o ano de maior quantidade de atitudes nefastas tomadas pela estrutura federativa em relação à marcha atlética. Relembre-se os seguintes casos: a alteração dos critérios de selecção nos 50 km para a Taça do Mundo de Marcha de Taicang poucos dias antes dos campeonatos nacionais de Quarteira; a violação dos critérios de selecção na escolha de atletas para os 20 km masculinos para a mesma taça do mundo; a impensável imposição de prova suplementar de 20 km para selecção (ou «desempate»...) de Susana Feitor ou Inês Henriques com vista aos europeus de Zurique (quando ainda não havia o problema da lesão de Vera Santos); a não inscrição de uma atleta, Carolina Costa (do Oriental de Pechão), para o torneio europeu de apuramento para os Jogos Olímpicos da Juventude, sabendo-se que a marchadora de Olhão reunia boas possibilidades de apurar-se para aqueles Jogos.

Toda esta série de decisões, encimada pelo sucedido com Susana Feitor, constitui uma situação que, na globalidade, desprestigia a FPA, a aparentar desnorte no que ao tratamento da marcha atlética se refere, como, de resto, recentemente voltou a confirmar-se com a inqualificável decisão (que felizmente parece revogada) de pôr fim aos nacionais de 50 km marcha. Era difícil fazer pior. E era também difícil escolher outro acontecimento mais marcante na marcha portuguesa em 2014. Pena é que volte a ter de escolher-se um acontecimento negativo.