quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Marcha em Portugal na Primavera de 1938 (IV)

Alberto de Sousa, vencedor da prova de
marcha de «Os Sports», momentos depois
da chegada. Foto: «Os Sports»
Após a extensa reportagem publicada a 11 de Abril de 1938 sobre a prova de marcha de 25 km que levara a efeito na véspera por ruas e estradas de Lisboa e arredores, o já trissemanário desportivo «Os Sports» continuou a desenvolver o tema da marcha nas edições seguintes, procedendo primeiro a um comentário e depois a uma apresentação biográfica do atleta vencedor.

A reflexão sobre a competição tinha começado logo na reportagem dessa segunda-feira, que considerou a prova como «uma das mais belas competições desportivas até hoje efectuadas em Portugal», acrescentando ter-se tratado de imponente, colorido e belo espectáculo de propaganda desportiva. E assinalava o facto de os quatrocentos participantes terem-se constituído como auxiliares preciosos de «Os Sports» nesta iniciativa de fazer renascer em Portugal uma modalidade atlética que em todo o mundo era apreciada mas por cá tinha caído no esquecimento uma boa vintena de anos antes: a marcha.

Ora, a edição de quarta-feira, 13 de Abril, falando de novo da prova, propunha uma reflexão, também designada «ecos, apontamentos e curiosidades». Começando por dizer que a marcha era uma «modalidade abandonada pelas entidades oficiais», o articulista garantia que «a marcha ressuscitou no domingo – e com tamanho esplendor que não deverá ser levada à conta de optimista a opinião de que a especialidade vai ser uma das mais populares entre nós».

Mais adiante, depois de referir que a competição teve a presença de atletas mais jovens e mais velhos, incluindo veteranos que já tinham passado a casa dos 50 anos, a peça afirmava «que existem entre nós marchadores com valor e alguns dos quais, convenientemente preparados, podem colocar-se em destaque em qualquer competição com estranhos». E acrescentava: «Na prova de domingo, muitos concorrentes – e entre eles o vencedor – mostraram interessante maneira de marchar. Não diremos que foram impecáveis, mas satisfizeram.»

E é precisamente ao vencedor, Alberto de Sousa, que, dois dias depois, na edição se sexta-feira 15 de Abril, é dedicado um espaço importante da primeira página, ilustrado com fotografia tirada logo após a prova no Parque Mayer. No texto ficava a saber-se que o atleta era natural do Bombarral e que a prova de marcha o tinha catapultado para a fama. Logo a abrir, a peça mostrava ao que vinha: demonstrar as qualidades da prova organizada por «Os Sports», não apenas para relançar uma modalidade esquecida mas também para criar novos ídolos. Começava assim: «As grandes competições do desporto têm muitas vezes a virtude de revelar campeões que estavam ignorados. Nomes desconhecidos tornam-se populares num relance. Foi o que sucedeu com o Alberto de Sousa, o vencedor da prova de marcha que o nosso jornal organizou no domingo.»

Começava assim a criar-se mais uma estrela mundana, um astro do mundo do espectáculo cujo maior feito tinha sido consagrado (coincidência ou não) no lugar de excelência do «showbiz» lusitano, o Parque Mayer. E a estrela tinha 24 anos, 17 dos quais foram passados no Bombarral, onde se fez tipógrafo. Foi também aí que se iniciou no desporto, praticando futebol no Bombarralense e ciclismo a título individual.

Vivendo em Lisboa desde 1931, o anúncio da prova organizada por «Os Sports» despertou-lhe um interesse que vinha da sensação de andar no dia-a-dia mais depressa do que as outras pessoas. Não fez qualquer treino específico para a prova, mas empenhou-se em assimilar os conselhos técnicos publicados nas páginas do jornal nos dias anteriores à competição.

Numa sequência de perguntas e respostas, é o próprio atleta quem explica como tudo aconteceu depois da partida na Praça do Comércio. «Comecei a marcha, senti-me bem disposto e vi, então, que podia classificar-me em bom lugar.» De início não sabia até onde iria, além de que a vantagem adquirida de início por Manuel Guerreiro impedia qualquer veleidade de vitória.

Mas quando o setubalense começou a ceder e Alberto de Sousa o alcançou, viu então que podia vencer. «Acelerei o andamento: sentia-me bem disposto e não hesitei em empregar-me a fundo», explicou.

O resto já se sabe, ainda que convenha lembrar que, segundo a reportagem inicial, Alberto de Sousa teve sempre a companhia de outro atleta, Ernesto Freitas, de quem se desenvencilharia só na parte final da prova, já a descer para o Parque Mayer.

Alberto de Sousa alinhou na prova com a camisola de um clube lisboeta, facto que justificou da seguinte maneira: «Representei o Raio Lisboa Clube por ser uma colectividade do meu bairro. É um clube fundado há pouco tempo, que tem vontade de se afirmar.»

No entanto, a manifestação de apreço dirigida ao atleta e divulgada pelo jornal veio do Sport Club Escolar Bombarralense e foi transcrita em «Os Sports». Dizia assim: «Prezado conterrâneo, ao tomarmos conhecimento da vossa brilhante vitória alcançada na prova de marcha de iniciativa do grande jornal 'Os Sports', cumpre-nos apresentar-lhe as nossas mais efusivas saudações, desejando que a esta vitória outras se sucedam, para honra da vossa vida desportiva e da terra de que é filho.

Outras oportunidades poderiam surgir, de facto, dado que, como desejado, a iniciativa do jornal teve reflexos algumas semanas depois, com a realização de outras provas de marcha, em Lisboa mas não só.