quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Marcha em Portugal na Primavera de 1938 (II)

Enquanto em Portugal «Os Sports» organizavam uma prova
de 25 km, em França o «Le Petit Parisien» apoiava mais uma
edição do Paris-Estrasburgo.
Depois do primeiro anúncio, em 18 de Fevereiro de 1938, da prova de marcha que levaria a efeito em 10 de Abril desse ano, o jornal «Os Sports» foi aguçando o interesse dos leitores por essa competição fazendo alguma actualização informativa e fornecendo pormenores técnicos para os não iniciados na marcha. Aliás, todos os potenciais interessados na prova desconheceriam por certo a técnica de marchar, atendendo a que quase de certeza não haveria praticantes de marcha de competição em Portugal naqueles anos trinta do século passado.

Nas 14 edições do jornal publicadas nas sete semanas seguintes, «Os Sports» divulgaram a prova de marcha em dez números. Logo a 21 de Fevereiro declarava-se que a marcha era uma especialidade «totalmente desconhecida das novas gerações». Terá sido com essa consciência que se acrescentou, pouco mais adiante, que na competição marcada para 10 de Abril não se exigia «marchadores impecáveis» nem se esperava «'performances' de grande categoria». O objectivo era tão-somente «abrir caminho para o futuro, despertar o gosto pela modalidade, tornar a marcha novamente popular».

A falta de conhecimento sobre a técnica da marcha levou alguns interessados a dirigir ao jornal pedidos de esclarecimento sobre como se deveria marchar. A esses pedidos, «Os Sports» começaram a responder através da publicação, iniciada em 7 de Março, de dados regulamentares que ajudassem os leitores a perceber a técnica da marcha de competição. Nesse dia, o texto de divulgação da prova referia a dado passo: «Enquanto na corrida têm um momento em que estão no ar, na marcha há sempre um pé que toca o solo. Não existe na marcha a chamada 'fase de suspensão' da corrida.»

E prosseguia: «Na marcha a perna é atirada para a frente, direita, e o calcanhar tocando o solo antes do resto do pé. Mas convém notar que o facto de a perna avançar direita não quer dizer que os movimentos do marchador sejam 'retezados'. Deve haver sempre a maior ligeireza de movimentos, de maneira a evitar o mais possível a fadiga.»

Outros pormenores técnicos eram enunciados, relativos à altura a que o pé deve ser levantado, à amplitude do trabalho dos braços ou à inclinação do tronco. Enfim, sempre havia alguém capaz de servir de treinador (não de bancada mas de jornal) de principiantes. Os mesmos pormenores técnicos foram sendo repetidos em edições posteriores, num processo que seria rematado a 4 de Abril com a publicação de uma fotografia de uma prova de marcha em França e com a seguinte legenda: «Marchadores! Atentai na maneira de marchar do campeão francês Romens, três vezes vencedor da prova Paris-Estrasburgo. Reparai, sobretudo, no seu movimento de braços e na forma de lançar a perna. Quanto melhor o imitardes maiores probabilidades tereis de alcançar a vitória na nossa prova do próximo domingo».

Nesta fase do processo organizativo já se sabia a data e a extensão da prova. Faltava determinar o percurso e proceder às inscrições. Estas, que eram gratuitas e tinham de ser formalizadas junto da redacção do jornal, já começavam a chegar, adiantando-se na edição de 18 de Março serem «algumas dezenas» e esperando-se muitas mais. Nessa mesma edição era finalmente divulgado o percurso da prova, que seguiria então o seguinte itinerário: Terreiro do Paço (partida), Cais do Sodré, Avenida da Índia (5 km), Pedroços, Algés (8 km), Estrada da Maruja, Sítio dos Ciprestes (10 km), Linda-a-Velha, Carnaxide, Estrada de Queluz, cruzamento das estradas de Amadora-Sintra e Benfica (15 km), Avenida Coronel Galhardo, Travessa Sargento Abílio, Calhariz de Benfica (20 km), Jardim Zoológico, Palhavã, São Sebastião da Pedreira, Praça Marquês de Pombal, Avenida da Liberdade, Parque Mayer (meta, 25 km).

Com o passar dos dias iam chegando mais inscrições, cujo aumento ia sendo anunciado no jornal. Não sendo pedido mais do que nome, idade, morada e, se possível, uma fotografia, a 25 de Março já se cantava sucesso com as «cerca de cem inscrições» chegadas à redacção, feita secretariado da prova. Mas ainda a procissão ia no adro. A 28 de Março já se falava em «150 nomes nas inscrições», a 1 de Abril referia-se 18 clubes representados, a 4 de Abril já havia 210 marchadores, faltando apenas dois dias para o fim do prazo de inscrição. Número final divulgado a 8 de Abril: 405 concorrentes. No dia seguinte, o «Diário de Notícias» fazia eco do interesse suscitado pela organização de «Os Sports» e actualizava para 410 o total de inscritos.

Mas naquela última edição antes da prova, «Os Sports» reservavam a última página quase por completo para o grande evento de domingo. No pós-título recordava-se o percurso e marcava-se a partida para as 8h00 da manhã. Entre muitas informações úteis para os interessados em participar e em acompanhar a prova, eram identificados os «postos de reabastecimento de 'Ovomaltine'», elencava-se os prémios e divulgava-se a lista dos nomes dos inscritos. Tudo magnificamente ilustrado por duas montagens fotográficas, cada uma com mais de cinquenta retratos de concorrentes aos 25 km de marcha.

Estava tudo a postos. Faltava apenas que soasse o tiro de partida.