quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Tóquio olímpica e Tóquio mundialista: lembranças do rocambolesco

Maurizio Damilano, campeão do mundo
em Tóquio-1991. Foto: George Herrinshaw.
A escolha feita este fim-de-semana pelo Comité Olímpico Internacional da cidade de Tóquio para acolher os Jogos da XXXII Olimpíada, no Verão de 2020, trouxe à memória a grande realização dos Jogos de 1964, na mesma cidade, e também dos Jogos de Inverno de 1972 e 1998, celebrados noutras cidades japonesas, respectivamente Sapporo e Nagano. Grandes eventos que, em épocas diferentes e para gerações diferentes de desportistas, marcaram a história desportiva mundial.

Mas a escolha da capital japonesa para os Jogos Olímpicos de 2020 trouxe igualmente, para os adeptos do atletismo, a recordação dos terceiros campeonatos do mundo da modalidade, ali realizados em 1991. Com facilidade ocorrem à memória as lembranças do fabuloso despique entre Carl Lewis e Mike Powell no salto em comprimento, a última grande vitória internacional do martelista Yuriy Sedykh, a notável supremacia de Liz McColgan sobre a armada chinesa na corrida de 10 mil metros ou a única grande vitória mundial de Alina Ivanova na marcha (10 km) antes de se tornar corredora de maratonas.

Ora, precisamente das outras duas provas de marcha ficaram duas histórias de que alguns já estarão esquecidos. Uma delas, nos 50 km, naquele dia em que, fartos de chuva e de competirem tentando superiorizar-se um ao outro, os soviéticos Aleksandr Potashov e Andrey Perlov decidiram dar-se tréguas e, em vez de se empenharem na luta final pela vitória, optaram por cortar a meta abraçados.

Cumpriram sozinhos na frente os vinte quilómetros finais da prova, como tantas vezes tinham feito antes. À entrada na pista, um e outro, lado a lado, levantavam o braço em sinal de vitória. E vitória seria a de ambos, quinhentos metros depois. Quinhentos metros percorridos sempre lado a lado, Potashov à direita, Perlov à esquerda. A vinte metros do fim, o abraço que os uniu até à meta, numa comovedora demonstração de amizade entre rivais e que por uma vez obrigou o «photofinish» a decidir da vitória numa prova mundial de marcha em estrada (e pista).

Atitude idêntica já tinham assumido três meses antes, nos 30 km de Sesto San Giovanni, mas num campeonato do mundo o gesto dos dois marchadores assumia outra dimensão. E levou mesmo a que as autoridades atléticas mundiais se demonstrassem incomodadas com quem relegava para segundo plano a questão competitiva.

Mais hilariante foi a outra história, ocorrida nos 20 km. Fosse por algum descuido (des)organizativo, fosse por excesso de zelo dos marchadores envolvidos nesta prova (também ela sob chuva), a verdade foi que os líderes da competição chegaram ao estádio antes da hora prevista.

À entrada para o último quilómetro, o soviético Mikhail Shchennikov e o italiano Maurizio Damilano passavam na frente, um pouco destacados da concorrência mais próxima. Marchavam claramente abaixo dos quatro minutos por quilómetro, preparando-se para um excelente resultado final. De repente, a aproximação ao estádio causa o pânico na pista, onde mais uma série eliminatória de 100 metros masculinos está em preparação mesmo na boca do túnel.

Os juízes correm a mandar retirar os velocistas. Damilano e Shchennikov já estão no curto túnel quando se começa a retirar os blocos das pistas exteriores. Os marchadores entram na pista a esgueirar-se entre blocos ainda montados e juízes atónitos. A prova vai para uma marca final abaixo da hora e vinte.

Nesse momento começam a chegar os juízes com os vasos de flores que já deveriam estar na linha de separação das pistas 4 e 5, a demarcar as zonas onde os marchadores deveriam cumprir os últimos quinhentos e poucos metros (a recta da meta e mais uma volta inteira). É tarde de mais: Damilano e Shchennikov são mais rápidos e logo tomam a corda na pista 1.

É também o momento em que o soviético, pensando estar a chegar ao final, «sprinta» para a meta, passando em primeiro lugar, para logo a seguir perceber que há mais uma volta para dar. É Maurizio Damilano quem lhe faz sinal de que tem de continuar. Mas Shchennikov gastou nessa aceleração as energias que lhe restavam para uma luta mais igual. Atrasa-se e vê Damilano ganhar uma vantagem decisiva.

A 350 metros do final, na curva a seguir à recta da meta, outros juízes apercebem-se de que, também eles, já não vão a tempo de posicionar os vasos de marcação no local próprio. A culpa não terá sido deles. E os dois primeiros seguem o seu caminho pela pista 1, sem ninguém ou coisa alguma que lhes diga por onde deviam ir.

De novo na recta da meta, desta vez para terminar de facto, Damilano apresenta-se com quase 50 metros de avanço. Os vasos já estão colocados no lugar devido. Só os primeiros farão uns metritos a menos, todos os demais terão mesmo de cumprir os 20 quilómetros regulamentares.

Maurizio Damilano vence, creditado oficialmente com 1.19.37 h, recorde dos campeonatos e menos nove segundos que Shchennikov. Um feito notável do marchador piemontês, vencedor dos mundiais precedentes (Roma-1987) e campeão olímpico nos já distantes Jogos de Moscovo-1980.

Uma história rocambolesca que ficou como nódoa na excelente organização nipónica de um dos mundiais de atletismo mais emocionantes de sempre.

Resta acrescentar que a classificação foi mesmo validada, apesar de os primeiros terem participado numa espécie de mundial dessa «nova» distância dos quase-20-km marcha. Mas mal seria se assim não fosse, dado que se alguém não teve culpa do sucedido foram os atletas.